segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A saude - crónicas de uma existência.

Viver com um sentido é uma das missões dos homens enquanto caminham na terra. Mas quando as circunstâncias da vida abalam esse sentido, o homem sente-se perdido e na inconsistência dos pensamentos, toma decisões que nem sempre são as mais acertadas.

Saber viver é saber temperar os problemas da vida com as forças que temos e quando elas nos faltam saber criar mecanismos de auto-gestão. Depois, tornamo-nos mais resistentes ao "devir" constante da vida e escrevemos mais uma página no diário da nossa existência.

Por vezes ficamos arrasados com coisas sem importância e quando nos acontece as verdadeiras situações de "alarme" já não temos forças para reagir.

A saúde é um dos tesouros mais importantes que devemos cuidar e velar para que os males não se aproximem. Bem sabemos, que por muito que cuidemos há males que sempre acabam por aparecer, mas a certeza de que com a devida vigilância podemos fazer com que eles sejam minorados, dão sentido às iniciativas de prevenção das doenças mais silenciosas e "cobardes" que nos atacam sem avisar e que com a devida estratégia podemos lhes dar a volta.

Hoje, gostava de meditar um pouco na doença do século. Esta doença é caracterizada pelo seu silêncio e só se manifesta quando já tem a certeza que é a senhora do corpo onde se instala. Ninguém tem culpa de a ter e nada faz para a convidar. Falo dos tumores. Aparecem onde menos se espera e quando se dá conta já estão num estágio avançado. É elevada a percentagem de homens que padecem de tumores na próstata ou no recto, bem como de mulheres nos seios ou no útero. A prevenção é a melhor estratégia, dizem com razão os médicos, mas quando a pessoa vive uma vida regrada, sem exageros, com os devidos cuidados médicos, com periódicas análises e mesmo assim aparece a doença, tudo cai por terra e um imenso vazio toma conta da nossa existência. Aí, dos conselhos e das consultas sempre cheias de esperança e sorrisos, os consultórios dos médicos ficam negros, sem palavras e sem respostas para as muitas questões que um paciente perdido coloca. Na verdade, por muito que se estude esta patologia, ainda não se sabe nada. Os avanços são meros estudos paliativos que não são exactos no sucesso e que por vezes acrescentam mais sofrimento ao sofrimento. O problema é que por vezes os doentes estão já tão desesperados e ao mesmo tempo com tanta ansiedade na cura, que se entregam aos médicos e decidem fazer todos os tratamentos que existem. Aí, os médicos arriscam e arriscam e fazem "experiências" que por vezes dão certo e outras vezes acabam por levar mais uma esperança.

Com estas palavras, não quero de forma alguma incentivar à desistência, mas quero constatar factos, realidades duras de quem vive diariamente com o drama. Drama é a palavra correcta.

As pessoas não têm noção do que há para fazer no sistema de saúde português. Os problemas existem e por muito esforço que se tenha o número de pessoas para resolver é bastante inferior ao número daquelas que se acomodam.

Nas últimas notícias adiantou-se que o Ministério da Saúde pretende diminuir o número de exames nos particulares e também o número de transplantes. Sabemos como são dispendiosos os tratamentos e os meios complementares de diagnóstico, mas na verdade não compreendemos que sendo a "máquina" do Estado tão grande, seja exactamente onde não se pode cortar que se decide diminuir a despesa. Na maioria dos casos os dirigentes que tomam estas medidas não vão precisar do SNS e vão dirigir-se aos particulares. Só o comum do cidadão é que sabe o que passa para poder ter acesso aos serviços de saúde e ver os seus males tratados. Ninguém trabalha ou governa sem saúde e num país que precisa dos portugueses a 100% não nos parece acertado diminuir nos cuidados de saúde em nome de uma mania de ir para além da Troika e de aplicar cortes cegos, sem olhar para os efeitos dos mesmos.

Propomos outra solução para o SNS. Ao invés de cortes desta natureza dever-se-ia apostar na fiscalização da utilização dos meios públicos. Sabemos que os profissionais de saúde muitas vezes têm uma dupla dimensão: pública e privada. Sabemos que quando nos dirigimos aos serviços de saúde privados pagamos à unidade tudo o que estiver envolvido no nosso tratamento, mas quando vamos ao público pagamos as chamadas taxas moderadoras, que ao invés de impostos são formas de racionalizar os meios e evitar abusos de utilização pelos utentes.

Parece-nos que em Portugal não pode continuar a existir a promiscuidade que existe. As direcções dos Hospitais são constituídas por médicos e por vezes utilizam dinheiros públicos para financiar as suas clínicas privadas, desviando as matérias-primas que custam a todos para depois as utilizarem nos privados e obterem 100% de lucros.

Poucos são os que ainda não foram interpelados por esta proposta:

Médico: "O senhor(a) sabe que os serviços no público são demorados e o seu problema precisa de ser resolvido rapidamente, por isso aconselho o senhor(a) a dirigir-se à Clínica A para ser operado. Eu trabalho lá e será sempre acompanhado por mim. Depois, vem às consultas no Hospital"

Paciente: Mas e o preço...?

Pois é, há sempre vagas nos privados, há sempre médicos nos privados, mas como é possível?

Racionalizar estabelecer contratos de exclusividade deveria de ser prioridade. Não podemos continuar a sustentar duas máquinas, as clínicas privadas e os hospitais públicos.

As tendências de importação de modelos estrangeiros para Portugal não são correctas. Por um lado as culturas são diferentes. Nos países como os EUA ou Noruega os salários são mais altos e os cuidados diferentes, vejamos que a estrutura de saúde, nestes, é bem diferente: os seguros de saúde funcionam e os contratos de trabalho, quase sempre, já vêem com os seguros associados. Em Portugal, os seguros são autênticas formas de "roubo" aos tomadores: muitas são as vezes que quando se accionam as apólices para doenças graves os seguros fogem às responsabilidades e conseguem por todos os meios escapar às obrigações que convencionaram com os tomadores.

Utilizar dinheiros públicos para financiar centros hospitalares privados é inconstitucional. Mais não é do que financiar de forma descarada os privados e estabelecer desigualdades na sociedade. Quando os contribuintes pagam os seus impostos é para fomentar a riqueza do Estado e deve ser aplicada no Estado, entendido como todos os portugueses.

Arnut criou o SNS juntamente com a colaboração de outros. O espírito de um Sistema de Saúde para o acesso de todos foi o mote, num país que vivia encostado às Misericórdias e outras Instituições. Dos médicos que andavam de "cavalo" de porta em porta, percorrendo muitos km para auxiliar as pessoas, passámos a ter centros hospitalares que uniram as povoações e estabeleceram uma meta:"Igualdade na saúde e capacidade de ajudar a cuidar todos os doentes". Embora, saibamos, que o nosso SNS nunca foi perfeito, pelos muitos motivos que escrevemos e outros, não passa pela cabeça de ninguém acabar com este modelo e voltar a ter entraves para sermos assistidos nos serviços de saúde. Para a doença nunca estamos preparados e só damos valor quando estamos doentes, quando precisamos para ontem de ajuda. Na nossa humilde opinião, não se deve cortar na saúde, seria o mesmo do que cortar na própria vida só porque precisamos de comer, beber, vestir para continuarmos a andar por ai. Racionalizar e ser correcto nas decisões nada tem que ver com cortes cegos. Usar dos princípios da proporcionalidade é uma virtude num Estado que sempre teve na vanguarda dos direitos sociais. Causa-me perplexidade, alguns dos defensores da comparação dos direitos sociais com os direitos de liberdade estarem num marasmo de silêncio. Talvez as suas ideias ainda estejam a amadurecer e venham publicadas nas próximas edições dos seus manuais. O que esperamos é que ninguém fique prejudicado irremediavelmente com estas políticas aventureiras.

Saúde!

1 comentário: