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Portugal vive uma crise, antes rompeu a crise na Irlanda, depois na Grécia e agora Portugal.
Quando somos formados, desde a nossa infância, passando pelos vários níveis de ensino até à Universidade (para os que podem ou querem), aprendemos a teoria: a teoria do Direito, a teoria geral do Direito civil, a teoria geral do Direito Penal, a teoria geral do Direito Comercial, a teoria geral do Direito Internacional (...), mas na verdade quando as situações hipotéticas se tornam realidade ficamos assombrados. As palavras fogem e não sabemos qual a teoria que devemos aplicar, se a lei se enquadra à nova realidade ou se tem de ser alterada, se a "ratio" dos conceitos ainda tem razão de ser ou se temos que criar novos?
A comunidade tem demonstrado interesse em criminalizar o enriquecimento ilícito.
O debate secular entre a moral e o Direito sempre se fez sentir. A doutrina adianta que moral não é "fons"do Direito e que quando se encontram é mera coincidência. Tal leva a pensar que muitas vezes quando ouvimos: "Aquela decisão não foi justa!", tal possa fazer sentido. O justo, neste contexto, seria a personificação da moral e da ética. As muitas lacunas que a "lex" tem leva a que as interpretações sejam múltiplas e que a Justiça seja por vezes o que a cabeça do juiz dita.
Recordo que numa das aulas práticas, nas salas da Faculdade de Direito de Lisboa, um Assistente ensinava: "...as pessoas não comem da Constituição...!"
Estava numa aula de Direito do Trabalho e discutia-se a questão do instituto da "justa causa de despedimento". A imposição legislativa desta necessidade, para que o empregador possa despedir o seu trabalhador, não advêm de uma norma ordinária, mas sim de um comando constitucional. Se porventura, pensarmos em alterar a noção material do termo, justa causa, em virtude de uma situação económica e temporal, devemos ter a consciência de que estamos a violar a CRP em sentido material, embora deixando sem mácula o seu sentido formal. A CRP é um texto fundamental que se destina a ordenar as normas ordinárias e por conseguinte o legislador. Se pensarmos que a base pode controlar o cume estamos a contornar a regras da natureza, porque a base não é o cume e o cume não é a base. Esta visão piramidal ensinada nos primeiros anos do curso é abalada pela exclamação do mestre.
Sabemos que o "ivs", mais do que a engenharia ou economia, tem que dar uma resposta atempada às questões dos tempos. O executivo pretende alterar a lei, aqui o Direito deve marcar posição e o Presidente da República deve suscitar a questão ao Tribunal Constitucional logo que o diploma de alteração do código laboral lhe chegue às mãos. Sob pena de estar em causa a violação material da CRP.
Contudo, ainda não vimos a proposta do executivo, só ai podemos dizer com mais clareza onde e como a mesma afecta os direitos sociais dos trabalhadores, que para alguma doutrina são comparados a direitos de liberdade.
Direito ao trabalho todos temos, direito a receber a justa retribuição pelo nosso esforço também, mas como sabemos, muitas vezes tal não sucede. As pessoas sujeitam-se aos "recibos verdes" e na verdade estão a trabalhar como empregados e não como prestadores de serviços, como deveria ser.
A proposta governamental fala em alargar o subsídio de desemprego aos "trabalhadores independentes". Na verdade será uma grande satisfação para a população activa, na medida em que a maioria dos portugueses enquadra-se neste caso. Mas questiono-me:"Será que o Estado vai ter condições orçamentais para tal?" ou "Será que os pressupostos serão de tal ordem que na verdade os trabalhadores independentes, na sua maioria, não serão cobertos?"
São dúvidas legítimas. Mas mesmo que tudo fosse o mais perfeito possível devemos ter em conta os riscos que podemos criar se entrarmos em constantes alterações conceptuais dos normativos constitucionais. Pensar na perda e no ganho é uma conta de economia política e quando temos por um lado a necessidade de incentivo ao emprego e por outro as alterações aos princípios base do nosso Direito, podemos entrar num jogo onde quem sai a perder são os mais desprotegidos. Por isso é que existe a Constituição.
Outra ideia é pensar que as mentalidades mudaram e que a nossa CRP já não faz sentido na actualidade. Se for o caso não devemos fazer uma alteração repentina do seu núcleo material sem antes referendar a comunidade sobre a sua posição sob pena de ilegitimidade do poder político. O legislador constitucional deve fazer a manutenção da CRP nas suas revisões periódicas, mas quando decide alterar o seu sentido material, já não está a rever mas a criar uma nova CRP.
Pensamos que ainda vamos a tempo de evitar que de um momento para o outro Portugal deixe de ter CRP para passar a ter um sistema de tipo inglês em que a Constituição é algo imaterial. Parece-nos que olhar como guia para os costumes e decisões passadas semelhantes não se adequa em nada à tradição portuguesa, mas a democracia é feita de discussão e não de momentos de vazio democrático em que nos esquecemos da nossa liberdade democrática de podermos ser "dominvs" do nosso destino.
Mais do que um Estado caminhante para o Socialismo devemos ser um verdadeiro Estado-providência, capaz de auxiliar aos mais marginalizados. Não dando por dar, mas ensinando a fazer, para que a autonomia seja uma das marcas da nova geração e impulsione Portugal.
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